segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Soprar 3 vezes ao dia...

Vou contar aqui um negócio que, durante um bom tempo, me deixou com muita vergonha
Só perdeu para o dia em que fui à aula de pantufas...
Mas isso é outra história...

Tive uma fase na vida, ainda menino, em que eu era muito tímido. Mas tímido mesmo.
Era tão xucro, que cheguei ao ponto de desenvolver uma gagueira.
Isso mesmo.
Hoje não tenho mais vergonha; sou um homem estabilizado, apresento um programa de rádio, orgulhoso de minha dicção, certo de minhas virtudes e corajoso o suficiente para admitir que, durante um pequeno período da minha infância, eu fui um semi-gago.
No início, era só mais um motivo de chacota entre os meninos mais velhos, além do meu cabelo e dos shorts que minha mãe fazia eu usar.
Todos pediam para que eu falasse alguma coisa, só pelo mórbido prazer de ouvir a mesma sílaba ser pronunciada mais de 4 vezes na mesma palavra.

Quando chegou ao ponto de eu quase não conseguir pronunciar meu próprio nome, aí sim, meus pais começaram a se preocupar. Me levaram a um fonoaudiólogo.
Lembro que, à época, cada vez que eu tentava pronunciar o nome da profissão, eu percebia a necessidade dela.
E fui. Ele examinou, examinou e examinou por horas, o meu pescoço.
É, o pescoço.
E chegou à conclusão de que os meus músculos da voz eram pouco trabalhados.
A receita médica dizia:
"No período de um mês, assoprar um balão durante 15 minutos, 3 vezes ao dia.
Em frente ao espelho"

Ou esse cara era o novo paradigma da fonoaudiologia, ou eu estava sendo o responsável pelas maiores gargalhadas da vida dele.
Procedimento feito, era a hora do teste.
- "Rafa, diz pra mim todo teu nome"
- "Ra...ra...rafa... rafafa... Rafael"


Isso é teste que se faça?
Nada no mundo pode ser pior para um gago do lhe perguntarem qual seu nome.
Depois de ser testado, novo diagnóstico. O quadro não evoluiu.
Outra receita. Mesmo procedimento, porém, ao invés do balão, dessa vez a vítima seria uma língua-de-sogra. Ainda de frente pro espelho.
Mais um período de sopros e caras feias, e nada de curar a gagueira.
Me mandaram para um psicólogo, na mesma época em que eu mesmo já começava a me preocupar com aquela maldita dificuldade de falar.

Psicólogos são bem engraçados.
Na minha primeira consulta, após um longo e desgastante exame, o diagnóstico:
- "Rafael, tu não é gago..."
- "hein?"
- "É isso mesmo, Rafael. Você só precisa acreditar nisso: que não é gago.."
- "ahh...tá..."


Fui a um analista.
Até hoje não sei bem qual é a diferença entre um e outro.
Segundo esse especialista, eu só precisava "não querer" ser gago.

- "Mas moço.... foi exatamente por isso que eu lhe procurei. Porque não quero ser gago, entende..."
- "Correto. Mas você precisa não querer de verdade. Como se realmente não quisesse ser..."
- "...tá bom..."


Nisso, passaram-se uns dois anos.
Nenhum dos métodos foi capaz. Com o passar do tempo, fui melhorando, com o auxílio das minhas próprias técnicas. Na verdade, bastou envelhecer, amadurecer, perder os hábitos comuns à uma criança e tudo se resolveu. Perdi aquela timidez estúpida que só sabia prejudicar e me tornei um homem.

Mas que foi engraçado consultar esses doutores, ahhh isso foi....


3 comentários:

  1. Meu neto precisar ler isto. Fantástico.

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    1. Obrigado, querida!
      Mostra pra ele sim! Fico orgulhoso se puder ajudar!!

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    2. Obrigado, querida!
      Mostra pra ele sim! Fico orgulhoso se puder ajudar!!

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